domingo, 14 de fevereiro de 2016

Das nossas escolhas e afinidades literárias: algumas considerações sobre o romance policial


Eu gosto de romances policiais, mas, curiosamente, não li tantos assim. É que os autores deste gênero costumam escrever séries de livros, com um mesmo detetive aparecendo em várias histórias, e realmente nunca tive disposição para acompanhar essas publicações seriadas. Porém, percebo que a literatura policial é muito presente em minhas escolhas literárias (além das cinematográficas e televisivas).

C. Auguste Dupin, de Edgar Allan Poe, é, disparado, meu detetive favorito. Os três contos em que aparece - "Assassinatos na Rua Morgue", "O Mistério de Marie Rogêt" e "A carta roubada" - são ótimos. E, a bem da verdade, eu gosto muito de Poe, adoro ler suas narrativas. O que dizer de contos como "O gato preto", "A queda da casa de Usher" e "O coração delator", senão que são esplêndidos? Adoro esse recurso ao elemento sobrenatural, o caráter "fantástico-estranho" de seus textos, conforme sublinhou Tzvetan Todorov sobre a história de Roderick Usher. Enfim, a obra de Poe me fascina.

Também gosto de Sherlock Holmes, de Arthur Conan Doyle, mas só li Um estudo em vermelho e alguns contos do detetive. E existem dois livros de "detetives" não tão conhecidos assim que eu gostei bastante de ler na adolescência: Mr. Moto pede desculpas, de John P. Marquand e O escudo de Gideon, de J. J. Marric (pseudônimo do escritor inglês John Creasey). Na verdade, Mr. Moto é mais que um detetive, é também um espião ou agente secreto japonês muito perspicaz, um personagem misterioso típico do período entre guerras. Já George Gideon (ou, para os íntimos, G. G.), é um investigador da Scotland Yard. Gosto tanto desse livro com Gideon que lembro de já o ter lido outras vezes depois - toda aquela ambientação da Londres dos anos 1960 é muito convidativa.

O norte-americano Mark Twain também flertou com o gênero. Uma novela sua, descoberta tardiamente, Um assassinato, um mistério e um casamento, apesar de não trazer a figura do detetive, tem várias características da literatura policial - no Brasil, foi traduzida por Ana Maria Machado, publicada pela editora Objetiva em 2001 e chegou a integrar a coleção Literatura em minha casa, distribuída nas escolas públicas brasileiras há alguns anos (foi assim, aliás, que consegui meu exemplar, devidamente guardado até hoje).

Há, é claro, A sangue frio, de Truman Capote, que é um dos meus livros favoritos, que não se enquadra bem no gênero policial conforme descrito por Todorov - diz-se que é um "romance de não ficção" -, mas trata de um crime brutal, seu planejamento, execução, a prisão dos responsáveis. Enfim, inegavelmente tem em si um forte componente policial.

Tzvetan Todorov, no clássico ensaio "Tipologia do romance policial", demonstra as diferenças entre o que seria a "grande arte", a literatura de fato, que não se encaixa perfeitamente em gêneros literários, e a literatura "popular", em que uma obra é melhor construída tanto mais esteja adequada às "regras" de seu gênero. Segundo o teórico, "O romance policial tem suas normas; fazer 'melhor' do que elas pedem é, ao mesmo tempo fazer 'pior': quem quer 'embelezar' o romance policial faz 'literatura', não romance policial" (TODOROV, 2008, p. 95).

Assim, considerado literatura de massa, o romance policial não é o tipo de livro muito apreciado na universidade. No entanto, autores como Rubem Fonseca e Dalton Trevisan, que se filiam à literatura policial, dada a qualidade de sua obra, são referências incontornáveis da literatura brasileira do século XX. E foi no primeiro período de Letras, na disciplina de Teoria Literária I, que conheci Dupin, ao ler "A carta roubada". Desta forma, ainda que a contribuição de Todorov seja fundamental para compreendermos a literatura policial, penso que hoje podemos relativizar um pouco essa questão da "literatura de massa x literatura". Acho que é o caso, ainda, de refletirmos sobre a "reprodutibilidade técnica", abordada por Benjamin, na atualidade, com essa forte presença da internet em nossas vidas.

Voltando à literatura policial, da "Rainha" ou "Dama do Crime", Agatha Christie, eu só havia lido O assassinato no Expresso Oriente, há alguns anos. É interessante, mas não considerei nada especial na altura. Já tentei ler Um corpo na biblioteca, mas acabei abandonando, achei chatinho na época... Talvez eu volte a lê-lo um dia. Mas O caso dos dez negrinhos, livro da autora que li recentemente, realmente é diferente. Embora seja dos anos 1930, auge do chamado romance de enigma, esse livro me parece um ponto fora da curva na obra da própria Agatha (para começar, não tem um detetive) e não se encaixa nos tipos propostos por Todorov (na verdade, tem características do romance de enigma, do romance negro, do romance de suspense e talvez ainda mais). Pretendo postar em breve um comentário sobre essa obra de Christie aqui no blog.

Posso dizer que as histórias policiais sempre, de alguma forma, fizeram parte do meu percurso literário. Talvez me interesse o mistério e a investigação, a busca pela "verdade". Mas também me encanta perceber por meio dessas narrativas do que o ser humano é capaz (sejam coisas tidas como boas ou como ruins): George Gideon e sua harmoniosa vida em família, os dilemas de Perry Smith em A sangue frio ou Vera Claythorne e sua desmesurada paixão por Hugo em O caso dos dez negrinhos.

Meu próximo passo é conhecer o Abílio Quaresma de Fernando Pessoa. Sim, descobri que Pessoa, não bastasse todas as coisas maravilhosas que escreveu, também criou seu detetive e essas narrativas têm sido reunidas e publicadas nos últimos anos em Portugal. Aí está, minha nova busca literária.

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